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A MENTIRA DE ABRAÃO!

Resolvi escrever algo sobre o tema, devido os comentários das lições bíblicas da CPAD deste trimetre, tratarem sobre "a busca do caráter cristão".

Na lição deste domingo 23/09, que tem como título "Abraão, o amigo de Deus", em seu tópico "V", sub-tópico 2, temos em pauta a questão do "fingimento de Abraão".

O ato de mentir ou fingir pode ser de alguma forma justificável? A resposta parece óbvia. É claro que sim, responderiam muitos. De forma alguma, contestariam outros. Depende, ponderariam os duvidosos ou cautelosos.

A mentira é uma questão ética pouco discutida na igreja. Por achar o tema profundamente óbvio ou altamente complexo, muitos se esquivam de abordar a questão. Vamos neste breve texto analisar alguns pontos. São eles:

1. A Bíblia é clara quando trata sobre a “mentira”

“Deus não é homem, para que minta; nem filho do homem, para que se arrependa. Porventura, tendo ele dito, não o fará? ou, havendo falado, não o cumprirá?” (Nm 23.19)

“Ouvi a palavra do Senhor, vós, filhos de Israel; pois o Senhor tem uma contenda com os habitantes da terra; porque na terra não há verdade, nem benignidade, nem conhecimento de Deus. Só prevalecem o perjurar, o mentir, o matar, o furtar, e o adulterar; há violências e homicídios sobre homicídios.” (Os 4.1-2)

“O justo odeia a palavra mentirosa, mas o ímpio se faz odioso e se cobre de vergonha.” (Pv 13.5)

“Vós tendes por pai o Diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai; ele é homicida desde o princípio, e nunca se firmou na verdade, porque nele não há verdade; quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio; porque é mentiroso, e pai da mentira.” (Jo 8.44)

“não mintais uns aos outros, pois que já vos despistes do homem velho com os seus feitos,” (Cl 3.9)

2. O conceito de “mentira”

O dicionário Houaiss define “mentira” como: “afirmação contrária a verdade, ilusão”. Aurélio nos traz os seguintes conceitos: 1. Ato de mentir, engano, impostura, fraude, falsidade; 2. Hábito de mentir; 3. Engano dos sentidos ou do espírito, erro, ilusão; 4. Idéia, opinião, doutrina ou juízo falso; 5. Fábula, ficção.

O Dicionário Internacional do Antigo Testamento cita quatro termos hebraicos para a palavra “mentira”:

- bad : conversa vazia, vã (Jr 50.36; Is 16.6; 44.15)
- kazav : falar aquilo que é inverídico e, portanto, falso diante da realidade (Nm 23.15; Sl 89.35; Is 57.11)
- kahash : transmite a idéia de diminuição de uma verdade (Sl 59.12; Os 7.3; 10.13; 11.12; Na 3.1)
- shequer : falsidade, engano. Designa palavras e atividades falsas no sentido de não estarem baseadas em fatos ou na realidade (Ex 20.16; Dt 19.18; Jr 23.32; Is 59.13; Mq 2.11; Jó 13.4)

No Novo Testamento, segundo o Dicionário Vine, as expressões gregas para “mentira” são:

- pseudos : falsidade, mentira (Jo 8.44; 1 Jo 2.21, 27; Ap 21.27; 22.15)
- pseusma : falsidade, mentira atuada, mentira feita (Rm 3.7)

3. Conflitos de normas éticas universais absolutas

Como normas éticas universais e absolutas, chamamos aqueles princípios bíblicos cristãos que são tidos como conduta moral desejada, aprovada e inegociável. Por exemplo:

- Obedecer a Deus
- Obedecer as autoridades
- Obedecer os pais
- Não mentir (falar a verdade)
- Não matar (preservar a vida)
- Não roubar (adquirir bens honestamente)
- Não adulterar (ser fiel a sua esposa)

A estes somam-se muitos outros.

O fato é o seguinte: quando dois destes princípios entram em conflito, o que fazer? É aí que entra a questão do hierarquismo ético, ou seja, há normas éticas universais que são maiores em valor que outras. Por exemplo:

-Entre obedecer a Deus e as autoridades, obedeceremos a Deus (Dn 3.15-18; Atos 4.19-20)
-Entre preservar a vida do próprio filho e sacrificá-lo a Deus em obediência a sua ordem, sacrificaremos nosso filho (Gn 22.1-3, 9-12)
-Entre matar e preservar a vida, preservaremos a vida (Êx 20.13)
-Entre preservar a vida e matar ordenados por Deus, mataremos (Lv 20.1, 10-16; Js 6.17-21)
-Entre mentir e preservar a vida o que faremos?

Alguns personagens bíblicos, motivados pelo instinto natural de sobrevivência, pela fé, e ainda outros, pelo temor a Deus, "mentiram" para preservação da vida, e em alguns casos, foram claramente justificados. Segue os exemplos:

- "E o rei do Egito falou às parteiras das hebréias (das quais o nome de uma era Sifrá, e o da outra Puá), E disse: Quando ajudardes a dar à luz às hebréias, e as virdes sobre os assentos, se for filho, matai-o; mas se for filha, então viva. As parteiras, porém, temeram a Deus e não fizeram como o rei do Egito lhes dissera, antes conservavam os meninos com vida. Então o rei do Egito chamou as parteiras e disse-lhes: Por que fizestes isto, deixando os meninos com vida? E as parteiras disseram a Faraó: É que as mulheres hebréias não são como as egípcias; porque são vivas, e já têm dado à luz antes que a parteira venha a elas. Portanto Deus fez bem às parteiras. E o povo se aumentou, e se fortaleceu muito. E aconteceu que, como as parteiras temeram a Deus, ele estabeleceu-lhes casas." (Êx 1.15-21)

- "De Sitim Josué, filho de Num, enviou secretamente dois homens como espias, dizendo-lhes: Ide reconhecer a terra, particularmente a Jericó. Foram pois, e entraram na casa duma prostituta, que se chamava Raabe, e pousaram ali. Então deu-se notícia ao rei de Jericó, dizendo: Eis que esta noite vieram aqui uns homens dos filhos de Israel, para espiar a terra. Pelo que o rei de Jericó mandou dizer a Raabe: Faze sair os homens que vieram a ti e entraram na tua casa, porque vieram espiar toda a terra. Mas aquela mulher, tomando os dois homens, os escondeu, e disse: é verdade que os homens vieram a mim, porém eu não sabia donde eram; e aconteceu que, havendo-se de fechar a porta, sendo já escuro, aqueles homens saíram. Não sei para onde foram; ide após eles depressa, porque os alcançareis. Ela, porém, os tinha feito subir ao eirado, e os tinha escondido entre as canas do linho que pusera em ordem sobre o eirado. Assim foram esses homens após eles pelo caminho do Jordão, até os vaus; e, logo que saíram, fechou-se a porta." (Js 2.1-7)

- "A cidade, porém, com tudo quanto nela houver, será danátema ao Senhor; somente a prostituta Raabe viverá, ela e todos os que com ela estiverem em casa, porquanto escondeu os mensageiros que enviamos." (Js 6.17)

- "Pela fé Raabe, a meretriz, não pereceu com os desobedientes, tendo acolhido em paz os espias." (Hb 11.31)

Há ainda casos de mentiras que não foram "claramente justificados", como o caso da mentira de Isaque:

" Assim habitou Isaque em Gerar. E perguntando-lhe os homens daquele lugar acerca de sua mulher, disse: É minha irmã; porque temia dizer: É minha mulher; para que porventura (dizia ele) não me matem os homens daquele lugar por amor de Rebeca; porque era formosa à vista. E aconteceu que, como ele esteve ali muito tempo, Abimeleque, rei dos filisteus, olhou por uma janela, e viu, e eis que Isaque estava brincando com Rebeca sua mulher. Então chamou Abimeleque a Isaque, e disse: Eis que na verdade é tua mulher; como pois disseste: É minha irmã? E disse-lhe Isaque: Porque eu dizia: Para que eu porventura não morra por causa dela. E disse Abimeleque: Que é isto que nos fizeste? Facilmente se teria deitado alguém deste povo com a tua mulher, e tu terias trazido sobre nós um delito. E mandou Abimeleque a todo o povo, dizendo: Qualquer que tocar neste homem ou em sua mulher, certamente morrerá. E semeou Isaque naquela mesma terra, e colheu naquele mesmo ano cem medidas, porque o SENHOR o abençoava." (Gn 26.6-12)

Temos igualmente a mentira de Davi:

"E Davi levantou-se, e fugiu aquele dia de diante de Saul, e foi a Aquis, rei de Gate. Porém os criados de Aquis lhe disseram: Não é este Davi, o rei da terra? Não se cantava deste nas danças, dizendo: Saul feriu os seus milhares, porém Davi os seus dez milhares? E Davi considerou estas palavras no seu ânimo, e temeu muito diante de Aquis, rei de Gate. Por isso se contrafez diante dos olhos deles, e fez-se como doido entre as suas mãos, e esgravatava nas portas de entrada, e deixava correr a saliva pela barba. Então disse Aquis aos seus criados: Eis que bem vedes que este homem está louco; por que mo trouxestes a mim? Faltam-me a mim doidos, para que trouxésseis a este para que fizesse doidices diante de mim? Há de entrar este na minha casa? ENTÃO Davi se retirou dali, e escapou para a caverna de Adulão; e ouviram-no seus irmãos e toda a casa de seu pai, e desceram ali para ter com ele." (1 Sm 21.10-15; 22.1) Davi acabou tornando-se o rei de Israel.

Perceba que não estamos aqui fazendo apologia a mentira, nem tampouco ensinando que as pessoas devem sair por aí mentindo por qualquer razão (quem faz isso é filho do diabo conforme Jo 8.44). Nosso foco é o "conflito entre duas normas éticas universais" e, neste caso, entre preservar a vida ou mentir.

Nosso caso em questão é a mentira de Abraão:

"Ora, havia fome naquela terra; Abrão, pois, desceu ao Egito, para peregrinar ali, porquanto era grande a fome na terra. Quando ele estava prestes a entrar no Egito, disse a Sarai, sua mulher: Ora, bem sei que és mulher formosa à vista; e acontecerá que, quando os egípcios te virem, dirão: Esta é mulher dele. E me matarão a mim, mas a ti te guardarão em vida. Dize, peço-te, que és minha irmã, para que me vá bem por tua causa, e que viva a minha alma em atenção a ti.
E aconteceu que, entrando Abrão no Egito, viram os egípcios que a mulher era mui formosa.
Até os príncipes de Faraó a viram e gabaram-na diante dele; e foi levada a mulher para a casa de Faraó. E ele tratou bem a Abrão por causa dela; e este veio a ter ovelhas, bois e jumentos, servos e servas, jumentas e camelos. Feriu, porém, o Senhor a Faraó e a sua casa com grandes pragas, por causa de Sarai, mulher de Abrão. Então chamou Faraó a Abrão, e disse: Que é isto que me fizeste? por que não me disseste que ela era tua mulher? Por que disseste: E minha irmã? de maneira que a tomei para ser minha mulher. Agora, pois, eis aqui tua mulher; toma-a e vai-te. E Faraó deu ordens aos seus guardas a respeito dele, os quais o despediram a ele, e a sua mulher, e a tudo o que tinha." (Gn 12.10-20)

A questão que levanto é a seguinte: diante dos fatos acima citados, a mentira de Abraão, tratada na lição bíblica da CPAD como "aspectos negativos do caráter de Abraão", pode ser considerada justificável?

O que deve ser considerado: a mentira em si, ou o motivo pelo qual se mente?

Que tal discutirmos a questão?

Fonte: Blog do Pr. Altair

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